Às vezes o noticiário revela verdades que mesmo o mais manipulador dos mortais não teria como negar. Às vezes a realidade é tão gritante que surge asssim mesmo, intrometida, sem pudores, mas nem por isso menos discreta.
Há poucos dias Boris Casoy, um representante do jornalismo capenga, teve que pagar, por acordo judicial, assim como sua empregadora a Rede Bandeirantes de TV, uma indenização de 21 mil reais a um gari. Quem lembra do caso, sabe que Boris Casoy fez um comentário preconceituoso contra o homem. Era um 31 de dezembro e o Jornal da Bandeirantes colocou saudações de feliz ano-novo de pessoas anônimas, literalmente, pois não havia caracteres que as identificasse. Numa delas um gari desejou felicidades a todos os que o vissem. Boris Casoy ironizou, menosprezando a sinceridade do gari. O áudio da fala do "homem branco, rico, letrado e superior" ao gari vazou. Pegou muito mal. No dia seguinte, Boris Casoy piorou as coisas. Pediu desculpas pelo vazamento do áudio, não pelo conteúdo do que disse. A Bandeirantes fez pior: manteve o "nobre" jornalista no ar e em seu quadro de "apresentadores de alto nível". Bem verdade que no horário da meia-noite, quando garis dormem...
Os anos se passaram e aparentemente justiça se fez. A moral ofendida do gari não pode ser reparada por 21 mil reais, dinheiro que não fará falta alguma a Casoy e ao grupo Bandeirantes. Mas o caráter simbólico da decisão é relevante. Lamentalvemente a imprensa que saúda a justiça que condena políticos silencia diante daquela que pune - com leveza, é verdade- os maus jornalistas. De todo modo, o gari passará um ótimo natal e um agradável ano-novo. A felicidade que ele desejou a todos, e que Boris Preconcetuoso-Arrogante Casoy desdenhou, fará a felicidade dele. Quem disse que o bem desejado não retorna?
Hoje o palpiteiro leu no Estadão a notícia que completa a realidade perturbadora, que protege garis e que ofende a outros. Trata-se da declaração do Reitor da Unesp de que as 3 universidades públicas estaduais de SP adotarão uma política de cotas sociais. De acordo com ele, será "semelhante ao que o governo Federal aprovou, porém melhor".
Na notícia que o palpiteiro leu no Estadão, cerca de 50% das vagas nas "3 irmãs" ( USP, UNESP e UNICAMP) seriam destinadas a alunos de escolas públicas a partir de 2014. Destas, 35% para alunos negros ou pardos.
Como de costume, a notícia suscitará declarações raivosas contra as injustiças, a oportunista "defesa da escola pública" e o conceito para lá de retorcido de uma tal "meritocracia". Seja lá o que seus defensores entendam o que seja.
Discursos hidrofóbicos a parte, o que se percebe é que o governo do Estado resolveu se mexer. Após os resultados das eleições de 2010 e 2012, descobriu que a questão social e racial não podem ser ignoradas no Brasil. Muito menos camufladas por "analistas" e "palpiteiros" de bem, brancos, escolarizados, com todos os dentes na boca e, em alguns casos, alérgicos a garis.
As mudanças que apontam para a inserção socioeconômica dos mais pobres, social e racialmente excluídos ao longo da história, vieram para ficar. Em pouco tempo deixaremos de discutir se devem ou não ser implantadas. Não demorará para avançarmos na discussão a respeito de COMO deverão ser efetivadas.
O palpiteiro tem uma triste notícia aos que desejam um país exclusivamente branco na sua elite e sem espaço para o pleno exercício da cidadania de pobres, negros e garis: esse país está deixando de existir. Devagar demais, é verdade. Mas está.
Em outros tempos você, amigo racista, teria a violência, o golpe, a repressão para conter esse tipo de avanço. Conseguiu isso no passado, no Brasil, na África do Sul. Naqueles tempos a CIA acreditava que seu racismo dava a vantagem de conter o comunismo. A história avançou, o comunismo não é mais assunto da CIA e os EUA - país de cotas raciais - tem um negão na presidência da República.
Na falta de meios extra-civilizatórios, o palpiteiro sugere que vá para Nova Iorque ou para a Suíça. Não que você incomode alguém por aqui, afinal você tende a ser uma minoria cada vez mais insignifcante como referência de ideias. Mas pelo seu próprio bem. A longo prazo, o desconforto e o sofrimento que você sente hoje só tende a aumentar. Vá por mim. Vá por você. Vá por nós.